A tensão entre a modernidade e a tradição é o traço mais marcante da obra de Hans Broos, o que fica evidente nos projetos para a Cia Hering, onde edifícios ecléticos são confrontados com construções em concreto aparente, numa simbiose de tempos históricos.
Nisso consiste a radical contemporaneidade do seu trabalho: Broos entende o contemporâneo como a convivência de épocas distintas, que se encontram num mesmo momento, conformando o maravilhoso emaranhado de que é feito o tempo, como dizia Lina Bo.
O Mosteiro de São Bento, em Vinhedo/SP, é um dos projetos mais radicais nessa acepção. Nesse projeto, iniciado em 1965 e finalizado nos anos 80, a arquitetura brutalista de Broos encontra-se com a arquitetura espiritual da Regra de São Bento, estabelecida por Bento de Núrsia em 530, num diálogo de 15 séculos.
Não é uma obra monumental, mas uma arquitetura que se submete à vida diária, ao hábito. Hábito, habitat: habitação em seu sentido profundo. Daí a adoção de soluções construtivas ordinárias, correntes, e que denotam uma busca da beleza através do simples, cotidiano.
Reflexos da vida contemplativa, à qual dedica-se o beneditino: a busca da infinitude e da transcendência por meio do silêncio. Projetar o silêncio.
Os primeiros monges buscavam a solidão indo viver no deserto, em cabanas ou cavernas isoladas. Com o tempo mesmo o deserto passou a ser habitado. Encontrou-se uma nova solução: um muro separava o espaço dos monges do espaço da cidade. Surgia assim a ideia de claustro, regido pela regra (a de São Bento viria a se tornar a mais famosa), definindo a rotina e os deveres dos monges, possibilitando a vida comum, em comunidade. O muro e a regra possibilitaram a expansão mundial da tipologia física e espiritual do mosteiro.
O surgimento do claustro substituiu a antiga forma de vida monástica, eremítica, onde a solidão era encontrada no extensão do mundo, pela solidão organizada da clausura, e a cabana isolada foi substituída pela cela, a habitação mínima, organizada numa tipologia em fita, reproduzindo a disposição das habitações numa rua.
O claustro, reprodução do isolamento do deserto, é local de isolamento total, onde somente é permitido o acesso aos monges.
Em Vinhedo, Broos inverte o claustro, colocando a clausura em contato direto com a paisagem externa. A planta em H do Mosteiro de São Bento se divide em dois pátios, abertos para o exterior. A acomodação do edifício ao terreno aproveita o desnível para expor ainda mais o interior do edifício, com as celas elevadas sobre pilotis e o térreo aberto (o térreo seria fechado em uma reforma posterior, a contragosto do arquiteto).
O claustro de Broos nega o muro e reivindica o isolamento imerso na paisagem, do catolicismo primitivo dos eremitas.
A busca da beleza no silêncio acompanharia os projetos subsequentes de Broos, e ficaria exposto de maneira contundente na Igreja de São Bonifácio, em São Paulo. O Mosteiro de São Bento é um manifesto da arquitetura simples, do despojamento que acompanha a visão beneditina do mundo. O imenso visto no pequeno. Essa visão foi descrita por Leminski, numa homenagem à Ordem de São Bento:
a ordem sabe
que tudo é santo
a hora a cor a água
o canto o incenso o silêncio
e no interior do mais pequeno
abre-se profundo
a flor do espaço mais imenso
p leminski, 1984
João Serraglio é arquiteto, sócio da LOTO arquitetos, e co-autor de Hans Broos: memória de uma arquitetura (Ed. do autor, 2018).